Valores

Eu nasci em outro tempo, e não me envergonho disso, muito pelo contrário, me sinto privilegiado, mas um pouquinho de espera e eu já não seria quem eu sou.

Na minha época, as fotos eram preservadas em álbuns, e serviam para mostrar os momentos mais felizes e importantes que tivemos, preservando e limitando assim a nossa imagem, sendo exposta apenas aos que realmente confiávamos, aos que eram convidados a adentrar  o nosso lar.

As crianças pediam a benção aos pais, tios, avós. Com licença, por favor, e obrigado eram termos do nosso vocabulário. A gente não tinha medo da terra. Nós gostávamos dela, a gente não tinha medo da rua, e nem alarme no portão, a gente saia de porta aberta e cumprimentava com aperto de mão.

A gente sentia saudade, a gente escrevia carta, e aguardava ansioso a chegada do carteiro com a informação. A gente sorria, a gente sorria, a gente ria, a gente ria de verdade.

A gente tinha amigo de ir a casa, de sair de domingo a tarde, de tomar sorvete, de chorar, de levar no peito feito irmão. A gente era grato, a gente não tinha inveja.

A gente se encantava com um olhar, mas não é esse de sedução, era da pureza, daquela que vinha no coração. A gente amava de verdade, a gente tinha medo de pedir a mão. A gente sonhava em casar, ter filhos e um violão. A gente cantava junto, a gente fazia do simples o que era bom.

A gente valoriza mais as coisas, a gente tinha pouco, mas era bom. A gente gostava de prosear até tarde no portão. A gente reconhecia o erro e pedia perdão. A gente perdoava de coração. A gente cumpria as promessas, palavra tinha valor.

A gente mandava cartinha para mamãe, à gente valoriza ter mãe. A gente brigava com os irmãos, mas a gente também abraçava, beijava e tinha mais coração.

Hoje em dia, o amor é enganação, a vida é exposição, as pessoas são personagens,  as pessoas tem persuasão, a gente acredita em tudo, tem medo de tudo, e sempre perde o coração, a gente faz o que não fazia, a gente é o que não seria, se tudo fosse feito com convicção.