Na Solidão




É na solidão que eu fico oco. Me dissolvo e me desfaço de mim. Atravesso ladeiras sentimentais para me revestir de existência, de potência, de prontidão. É aqui que eu carrego meus amores, minhas dores, desfaço meu coração. Acoplo em mim os medos bobos que me deixam insone. É neste canto que eu confesso meus pecados, me arrendo ou não! É nessa fresta de luz que mostro meu lado obscuro, tolo e me desnudo de mim. Aqui aceito tudo que nego em sociedade. Sou a crosta do mundo. Nesse quarto escuro, com olhos de águia, imagino vida, morte, desejo, repulsão. Aqui que tenho orgulho, ódio de mim. Nesse local da solidez eu me dissolvo de palavras, lágrimas, anseios. Desisto e reconstruo sonhos. Me sinto amado, desejado, enojado. Pavilhão. Mar. Abismo sem abstinência. É exatamente nesse cantinho que o diabo me toca, me leva, me ajuda. É também neste ambiente que sou salvo, seguro pelas Mãos de Deus. Aqui me comprometo. Meto com. Aqui eu não sou orgulho de ninguém. Sou só um saco de ossos resistido de poeira, moléculas, células, água que permanece em pé, por vezes deitado com o cérebro ativo e o coração apertado. Aqui não sou nada e sou tudo. Me joguem no rio. Me lancem do Mar. Me embalem nesse precipício que vivo. Eu não sei nadar. Voar também não sei. Mas, apesar de todos os pesares, eu resisto. Insisto. Susto. Cisto. surto. Eu vivo. Porque é no erro de viver que a gente encontra minutos de paz. É na vida que a solidão se torna solitude. Que o amor faz morada. Que a dor de cura. Que a utopia pode existir. Aqui, não sou metáfora, sou paradoxo da existência, porque aqui eu não me acho nem me encontro, eu me conecto sem Wi-Fi. 

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